Jovens descobridores


Jovens descobridores

Atividades iniciais de pesquisa ajudam a ensinar que vivemos regidos pelos conceitos de espaço e tempo - e que eles mudam ao longo da história


Perceber a passagem do tempo e reconhecer o espaço à nossa volta são aspectos básicos da vida. Dominar essas noções significa compreender que a sociedade é produto de uma sucessão de mudanças e acontecimentos e que a paisagem em que vivemos muda e não é a única existente sobre a Terra. Esse tipo de conhecimento - que a partir do Ensino Fundamental é apresentado principalmente nas disciplinas de História e Geografia - também deve ser trabalhado desde a Educação Infantil sem a obrigação de transmitir conteúdos. Assim, não é preciso limitar as atividades à simples memorização dos meses e dias da semana ou ao nome da cidade e do país em que moramos.Um bom projeto voltado às questões de Natureza e Sociedade - presentes nos Referenciais Curriculares Nacionais - deve permitir à criança relacionar os conhecimentos que já possui com os novos apresentados na escola.Para chegar lá, literatura, pesquisa diversificada e brincadeira são fundamentais.

O Colégio Madre Cabrini, em São Paulo, e a Creche UFF, da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, fizeram projetos diferentes, mas com um ponto de partida comum: o encanto da meninada pelas histórias. Ao ler contos de fadas e narrativas situadas em momentos históricos específicos, todo professor pode captar as curiosidades e dúvidas da turma. Referências habituais em textos infantis, como reinos e princesas, e fenômenos naturais, como neve e dilúvio,muitas vezes não são totalmente compreendidas pelas crianças. Explicar que são comuns em outros lugares ou outros tempos ajuda a criar um envolvimento maior - e a construir a noção de que somos parte do mundo.

Pesquisa sobre moradia 
Foto: André Valentim
Cidade em miniatura: maquetes feitas de sucata e blocos reproduzem casas, ruas, prédios e hospital de Niterói
A pesquisa é a base de qualquer projeto de conhecimento de mundo.Afinal, é do material disponibilizado à turma que nasce a maioria das respostas e de novos questionamentos. Em turmas não alfabetizadas, o processo de investigação pode se basear em imagens. Uma idéia é pedir para localizar, em livros e demais materiais, aqueles que as crianças ima- Jovens descobridores ginam conter o que querem.Depois, elas se familiarizam com o conhecimento quando você ler os textos.

A professora Andréa Coutinho,da Creche UFF,preparou um amplo repertório de consulta para sua turma de 3 e 4 anos. A proposta era descobrir os diferentes tipos de moradia e como é a vida em cada uma delas, contrapondo-a à experiência das crianças. Para isso, além das atividades na escola, Andréa organizou saídas para observar algumas construções: edificações ribeirinhas,uma exposição de casas de sapê e um edifício imperial no Rio de Janeiro.

Em sala de aula, alternavam-se trabalhos em grupo, a hora da brincadeira e as atividades nos espaços preparados para o projeto - o "cantinho da casinha"(com brinquedos que reproduzem uma casa), o "cantinho da leitura" (para manusear livremente diferentes materiais) e o castelo de caixas de leite (feito com 320 embalagens do tipo longa vida). A turma participou de leituras de contos de fada, como Rapunzele Cinderela,que inspiraram debates sobre quatro modelos de casa: de palha, madeira e alvenaria, mais os castelos. Palafitas e iglus, que apareceram nas pesquisas, também motivaram a garotada a aprender mais.

Alguns desdobramentos do trabalho permitiram aumentar o conhecimento sobre as diferentes formas de reconhecer e representar o espaço. A professora levou à classe um globo terrestre,um mapa-múndi e outro do município de Niterói para todos localizarem onde moram. Com diferentes materiais, os pequenos fizeram uma maquete da cidade, com direito a hospital, ruas, casas e prédios. Além disso, desenharam um mapa da sala, localizando os "cantinhos", o quadro-negro, a porta etc.Segundo Magda Madalena Tuma, da Universidade Estadual de Londrina, quanto mais cedo a criança entra em contato com a cartografia, mais rápido ela desenvolve relações topológicas. "Com a maquete, qualquer um entende que o mundo pode ser reduzido a uma miniatura. E ao confeccionar mapas, percebe-se que é possível representar o tridimensional em apenas duas dimensões."

Viagem pela história 
Foto: André Valentim
Cantinho da leitura: as crianças procuram respostas para suas dúvidas nas ilustrações de livros que depois são lidos pela professora
No Colégio Madre Cabrini, a equipe bolou um projeto para cada período da Educação Infantil. As turmas de 6 anos descobriram a Grécia antiga, as de 5, a China, e as de 4, os castelos medievais. De início, as crianças foram apresentadas a materiais relacionados a cada uma dessas culturas. Os mais velhos se encantaram com a mitologia grega: conheceram A Caixa de Pandora e alguns heróis, como Héracles, e reproduziram com papel as túnicas usadas na época.Com a ajuda de uma mãe, todos aprenderam a fazer uma máscara, moldando no próprio rosto uma atadura de gesso e pintando-a em seguida.

Na classe das professoras Eneida Vasconcellos e Michelle dos Reis, os de 4 anos tiveram o seguinte desafio: descobrir como se vestiam homens e mulheres na Idade Média, o que comiam e como dançavam. Essas informações foram pesquisadas para garantir o sucesso da atividade final do projeto - um baile medieval.Além de textos e fotos, os pequenos observaram atentamente uma cena de dança do filme Shakespeare Apaixonado. Segundo a psicóloga Marilene Lima, coordenadora do Programa Edukaleidos, de São Paulo, esse tipo de experiência faz com que a criança trabalhe o conhecimento de maneira simbólica. "Assim, ela experimenta outros hábitos e costumes e desenvolve tanto o lado cognitivo como o faz-de-conta", diz.

Usando sempre a própria experiência da criança como base, fica mais fácil fazer com que a comparação com novas realidades desperte sua atenção. "É interessante buscar elementos que permitam confrontar vivências", diz Regina Borella, coautora do livro Natureza e Sociedade: Educação Infantil."Descobrir como eram os brinquedos e jogos na Grécia antiga é um ponto de partida para aprender sobre essa época." Mas não se preocupe em localizar cronologicamente os períodos históricos abordados. Nessa fase, interessa ensinar que esses costumes dizem respeito a um povo distante,que viveu muito antes de nossa época. "Quando se fala que algo aconteceu 'há muito tempo', a criança entende e faz o contraste", afirma Regina.

Trabalho autônomo 
Foto: André Valentim
Colunas dóricas: livros e filmes sobre a arquitetura da Grécia antiga ajudam no trabalho com massa de modelar
Para construir a maquete de uma pólis grega, a classe de 6 anos teve de listar as principais características da arquitetura na Grécia antiga.Durante vários dias, todos consultaram livros especializados, filmes, revistas e imagens enviadas pelos pais.Tudo para destacar as cores das pedras utilizadas, o formato das construções, a sucessão das colunas etc. "O mais importante, na hora da pesquisa, é fazer com que a criança crie autonomia e aprenda a procurar informações", diz Vera Lúcia Crosta, coordenadora pedagógica."Ela deve descobrir que não é no Patinho Feio que vai saber mais sobre patos."

É natural também que nem todas as palavras sejam conhecidas - como coluna ou pé-direito, no caso da arquitetura grega. O contato com a linguagem dos textos informativos é importante e os termos não devem ser substituídos por outros mais simples. Basta discutir o significado das palavras ignoradas. Da mesma forma, é bom mostrar que é possível agregar conhecimento com objetos "comuns", como fotografias, vestimentas e obras de arte.Convidar especialistas (de preferência um parente) que possam passar informações sobre determinado assunto é outro bom artifício - como no caso da mãe que ajudou a fazer as máscaras.
Expandir o conhecimento de mundo...
- Aumenta a familiaridade com a pesquisa e a linguagem dos textos informativos.
- Promove o conhecimento da diversidade cultural.
- Amplia o universo lúdico das crianças.
Textos diferentes 
Diversificar o repertório de contos ajuda a despertar o interesse por outras culturas. Além dos contos de fadas, há histórias tradicionais brasileiras e de povos distantes. Conheça aqui três delas, que podem dar origem a novas pesquisas em textos e vídeos informativos.

Abdu, o Cego e o Crocodilo (em Contos e Lendas da África, Yves Pinguilly, 256 págs., Cia. das Letras, tel.             [11] 3707-3500      , 27,50 reais). Original do povo uolofs, do Senegal, o conto traz a história de um menino trapaceiro que leva uma lição de um cego, que o faz ver que a malícia tem conseqüências.

A Preguiçosa (em Contos Chineses, Bárbara Soares e Thereza Stummer, 232 págs., Ed. Paulus, tel.             [11] 3789-4000      , 56,50 reais). Mostra, com base no cotidiano de uma moça, as relações familiares, os hábitos domésticos e o papel da mulher na tradição chinesa.

A África, Meu Pequeno Chaka (Marie Sellier, 48 págs., Cia. das Letras, 27,50 reais). Vovô Dembo conta a seu neto as belezas de seu continente. Traz também uma leitura do mapa da África e a explicação de uma série de símbolos.

Consultoria: Marilene Lima, psicóloga e coordenadora do Programa Edukaleidos, em São Paulo
Brincadeira séria
Brincar, todo professor sabe, é essencial para a meninada. Mas em projetos de conhecimento de mundo o faz- de-conta tem uma função ainda mais importante. É na hora do jogo que a criança organiza internamente as informações transmitidas pela escola - novos conhecimentos que, muitas vezes, só são "processados" de fato quando mescladas ao repertório prévio sobre o assunto. "O conhecimento muda a forma de brincar, qualitativa e quantitativamente", diz a psicóloga Marilene Lima. "Encenações, danças e diálogos ficam mais complexos." Ela ressalta a importância de a professora observar esses momentos e anotar progressos e dificuldades. "Os pequenos não precisam saber que a brincadeira é séria. O professor, sim."
Quer saber mais?
CONTATOS
Colégio Madre Cabrini
, R. Madre Cabrini, 36, 04020-000, São Paulo, SP, tel.             (11) 5549 9288      
Creche UFF, R. Visconde de Rio Branco, s/no, 24210-350, Niterói, RJ, tel.             (21) 2629-2560      
Magda Madalena Tuma
Marilene Lima, marilenelima@edukaleidos.pro.br
Regina Borella

BIBLIOGRAFIA
Os Diferentes Tempos e Espaços do Homem
, Márcia Noemia Guimarães e Iale Falleiros, 64 págs., Ed. Cortez, tel.            (11) 3611-9616      , 15 reais
Coleção Cambalhota - Natureza e Sociedade: Educação Infantil (três volumes), Priscila Ramos de Azevedo e Regina Nogueira Borella, 136, 152 e 168 págs., Ed. Ática, tel.             (11) 3990-2100      , 39,90, 41,90 e 44,90 reais

Nenhum comentário

Deixe seu recado aqui e ajude-nos a tornar este blog ainda melhor!